Pages

0 comentários

Ao paraíso-inferno que criamos

Querida G.H, quando soube de sua história pensei em lhe escrever tolices. Coisas de minha vida ainda fútil. É que foi impossível pensar o que me disseram de você. Disseram que uma tal de Clarice Lispector lhe fez uma biografia na qual comia uma barata. Ridículo, pensei primeiramente. No entanto estava tentando ler para conferir.

Não é nada da simplicidade que dizem. Ainda estou no meio da história. Depois de ler cinco vezes me apego a detalhes, às sensações. É absoluto, transformador. A cada parte vais desconstruindo valores sociais pela própria essência do ser. Caminhando ao animalesco que deveria ser natural ao ser humano. Estou com tantas dúvidas: foi por isso que você se importou com a essa barata?

Não percebi o que desencadeou sua busca por uma mudança. Nem você percebeu. Na verdade acho que não se trata disso, não é amiga?! Trata-se de sentir. A história esta dentro do império das sensações. Essa Clarice desfaz todos os significados vulgos, xulos, que tentamos dar as palavras. Elas as reinventa, ou melhor, essa mulher tem a capacidade de colocar as palavras de volta para onde vieram: o reino das idéias.

Só ela seria capaz de narrar o momento de uma mulher escultora, burguesa, solteira e de vida noturna agitada, a se encontrar consigo mesma. Clarice Lispector escreve com a maestria qual integra no enredo, a crítica e a introspecção. Ela tem a doce capacidade de levar o leitor. Emenda um assunto ao outro e ao outro já destrinchado, é preciso estar atenta! Ainda dizem que ela usa de efeitos estilísticos e estéticos como o flash back e o momento epifânico. Mas aqui ela abusa da imersão nas questões do próprio ser, a introspecção.

D’A paixão segundo G.H, ninguém sairá o mesmo. Confesso que já não me interessa esse mundo úmido, encharcado de coisas. Quero também teu inferno, seco, preciso, primordial, G.H sem humanismos, sem esperança vaga. Buscarei as raízes de meu ser por mais perigoso que seja. Espero que o retorno desta carta seja uma mudança em si.